Indígenas são expostos a graves riscos no Amazonas, denuncia ISA

Pelo menos 800 indígenas dos povos hupda e yuhupdëh estão acampados no sítio Parawary, em São Gabriel da Cachoeira, no norte do Amazonas, sob condições insalubres assim como em situação de insegurança hídrica e alimentar.

Considerados de recente contato, esses povos ficam vulneráveis à fome e a doenças enquanto aguardam para retirar documentos e receber benefícios no município.

“Um emaranhado burocrático acaba alongando o período que os indígenas precisam ficar na cidade para resolver pendências com documentação e benefícios”, diz a reportagem-denúncia da jornalista Ana Amélia Hamdan, do ISA, em que mostra a situação precária em que estão vivendo os hupdas e yuhupdëh.

De acordo o relato, uma ação emergencial da Funai e órgãos como Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), ISA, Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Negro (Dsei), cartório e Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira e Exército realizaram um mutirão de atendimento a esses povos para tentar solucionar as pendências que acabam segurando os indígenas na cidade, além da retirada do lixo no entorno dos acampamentos.

Indígenas aguardam para serem atendidos durante a ação no Parawary em São Gabriel da Cachoeira. | Foto: Ana Amélia Hamdan/ISA

A mobilização iniciou no início deste mês de fevereiro, no Parawary, e será mantida até que a situação seja controlada.

“Estamos mobilizando as instituições para um atendimento emergencial amplo. Há o receio de ocorrerem mortes se não atuarmos”, disse o diretor-presidente da Foirn, Marivelton Barroso, do povo baré.

A federação vem apontando problemas no atendimento oferecido pelas instituições públicas, como falta de pessoal, estrutura e de tradutores de línguas da região.

Muitos dos indígenas, inclusive os jovens, não falam o português, dificultando a relação com as instituições.

Leia mais

Amazonas: governo vai dar cartão de débito a 20 mil famílias indígenas

Falta material

Além disso, falta material para a emissão de documentos, como cédulas de identidade, que vêm de Manaus. O Governo do Estado fornece 400 cédulas por mês para o município, o que não é suficiente para atender a população, principalmente nos momentos de maior demanda.

Advogada do programa Rio Negro, do ISA, Renata Vieira integra a equipe de ação emergencial para os povos hupda e yuhupdëh.

Ela explica que as políticas públicas que são pensadas em âmbito federal muitas vezes não levam em conta a realidade dos povos indígenas, o que acaba contribuindo com a situação de vulnerabilidade.

Exigências burocráticas

Segundo ela, é exigida uma série de burocracias, como emissão de documentos de RG, CPF, título de eleitor, certidão de nascimento, além de realização de operações bancárias com manuseio de cartões magnéticos para dar entrada ao registro no CadÚnico para acessar o Bolsa-Família ou dar entrada num pedido de salário-maternidade”.

Como essa burocracia não faz parte da cultura desses povos, os indígenas ficam andando de instituição em instituição com várias limitações para compreender e obter a documentação necessária para resolver as suas pendências. Desse modo, a motivação de vinda à cidade que inicialmente é acessar direitos sociais básicos passa a configurar uma série de violações de direitos humanos.

Condições precárias

Relatório do Dsei aponta que essa população indígena acampada nos arredores da cidade fica em condições precárias, com crianças e idosos mais suscetíveis ao consumo de bebidas alcoólicas, acidentes fluviais, negligência, abandono, escassez de alimentação, moradia (acampamento) inadequada, falta de água potável e de saneamento básico.

A equipe de saúde removeu seis pessoas para a Casa de Apoio Indígena e ao Hospital de Guarnição, sendo duas crianças, uma mulher que havia acabado de dar à luz a um bebê que já nasceu morto e três idosos com sintomas de tuberculose.

População indígena acampada nos arredores da cidade fica em condições precárias | Foto: Raquel Uendi/ISA

Morte de adolescente

Foi registrada a morte de uma adolescente de 16 anos, sendo que a causa está sendo averiguada. Há ainda registros de desidratação e diarreia. Já foram identificados pelo menos 53 casos de malária.

Para evitar que os indígenas retornem às suas casas com a doença – o que poderia levar ao aumento de casos no território indígena – será montada uma barreira sanitária para realização de testes. O risco se agrava com as famílias circulando em instituições públicas na tentativa de tirar documentos.

Uma alternativa apresentada durante as reuniões do grupo de emergência foi a construção de casas de apoio em São Gabriel, com estrutura para que essas famílias fiquem instaladas, respeitando suas características culturais.

Plano de contingência

Outras ações estão em andamento para atender os povos naduhupy – hupda, yuhupdëh e dâw –, como o Plano de Contingência de Surtos e Epidemias em Povos Isolados e de Recente Contato.

Em fase de formulação, este é um importante documento para o planejamento de ações de urgência e enfrentamento conjunto a epidemias e determinantes sociais que impactam negativamente na mortalidade desses indígenas, disse Barroso.

O plano está previsto na portaria conjunta 4.094/2018, do Ministério da Saúde e Funai, e vem sendo construído conjuntamente por órgãos públicos e sociedade civil organizada, em conjunto com a Foirn e lideranças dos povos naduhupy.

Conforme o documento, os povos hupda e yuhupdëh, bem como os dâw, sofrem com situações de extrema vulnerabilidade social e epidemiológica, estando expostos ao contágio de covid-19, malária, tuberculose, dengue, gripe, e aumento no número de morte por suicídio e riscos associados ao consumo de bebida alcoólica no meio urbano.

Com informações do ISA.

Foto: Raquel Uendi/ISA

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *