Êxodo do Brasil: qualificados imigram e começam ‘de baixo’ para sair do país

Pressionados pela instabilidade política e pela situação econômica, brasileiros escolhem o caminho da emigração há anos. O movimento de êxodo do Brasil tem se intensificado, em meio à inflação e à insegurança, e mesmo a classe média com formação superior e emprego escolhe emigrar, ainda que tenha que começar a carreira “do zero” nos países estrangeiros, apenas para se mudar do Brasil. Socióloga e estudiosa de movimentos migratórios na Universidade do Vale do Rio Doce (Univale), Sueli Siqueira avalia que a motivação de quem parte do Brasil ilegalmente, em busca de trabalho, e também dos profissionais qualificados que deixam o emprego para trás tem uma raiz parecida. “É uma desesperança com seu território. Não é falta de patriotismo, é uma sensação de que as coisas serão sempre muito difíceis aqui, e de que lá fora será mais fácil, o que nem sempre é verdade”. “Os clientes falam em desilusão econômica, política, insegurança e do custo de vida no Brasil, que é muito alto para se manter um padrão”, concorda Andreas Perdicaris, diretor executivo da empresa de assessoria de imigração Xplore Group. O aumento do interesse pela saída legal do país é comprovado por mais de um indicador. Só em 2020 e em 2021, quando a pandemia ainda limitava a emissão de vistos para os EUA, por exemplo, 726 profissionais brasileiros receberam vistos do país norte-americano relacionados ao trabalho — desde 2016, foram 2.564, segundo dados compilados pela Xplore. Nos primeiros cinco meses de 2022, a alta movimentação de brasileiros rumando legalmente para morar ou estudar em outros países fez a demanda por validação de documentos para outras nações aumentar 43% nos cartórios de Minas Gerais, segundo o braço mineiro do Colégio Notarial do Brasil (CNB/MG). Ao mesmo tempo, 2022 já tem um recorde de Declarações de Saída Definitiva do País entregues à Receita Federal, com 13,8 mil declarações — desde 2010, o maior número não havia chegado a 10 mil. Parte do êxodo do Brasil, o arquiteto Matheus Ricaldone, 29, estava empregado na sua área em um escritório de Belo Horizonte e financeiramente estável, conta. Mas, com o sonho de voltar à Holanda, onde fez intercâmbio na época do programa federal Ciências sem Fronteiras, extinto em 2017, saiu do Brasil em 2022. Hoje, trabalha como recepcionista na rede hoteleira do país europeu. “Eu estava muito chateado com a situação política do Brasil. Meu marido se inscreveu para um mestrado, passou e largou tudo, tinha um emprego muito bom na área de TI. Na Holanda, eu vivo com um salário mínimo e minha qualidade de vida é melhor que no Brasil, onde eu ganhava bem mais que o salário mínimo. Falo do lazer, da mobilidade, do acesso à cultura e do poder de compra. Não pretendo sair. Muita gente veio me perguntar se aqui tem emprego e eu digo ‘só vem’”, relata. Trabalhar fora da área de formação é realidade para imigrantes brasileiros Países da União Europeia têm programas de contratação de mão de obra qualificada, como do setor de TI, e a própria Holanda, por exemplo, facilita a entrada de profissionais altamente qualificados, desde que já tenham contrato de trabalho com um empregador local. Mas os imigrantes são maioria em atividades em hotéis e restaurantes no continente — a taxa de emprego de estrangeiros no setor é 11,4% e a de cidadãos europeus, 3,8%, segundo a Comissão Europeia. Nos EUA, a situação é parecida para alguns dos imigrantes brasileiros, mesmo para aqueles que conseguem o visto EB2 — categoria que concede o “green card”, visto permanente de imigração, para profissionais “acima da média”. “É um país diferente, com leis diferentes e requisitos diferentes para a validação do diploma, o que demora algum tempo. Às vezes, a pessoa tem que começar como assistente na sua área, mas mesmo elas não ganham mal”, diz o advogado especialista em imigração para o país, Felipe Alexandre, da AG Immigration. A dentista e acadêmica Mônica Armond, 55, havia construído 30 anos de carreira no Brasil, onde fez doutorado e tinha uma clínica de atendimentos própria, quando decidiu se mudar para os EUA com o marido e três filhos. Depois de pagar cerca de US$ 27 mil, ela conseguiu o green card para a família inteira baseada em suas qualidades profissionais. Até então, porém, não conseguiu retomar plenamente a profissão. Após tirar duas licenças, Mônica pode realizar pequenos procedimentos odontológicos e trabalha como assistente em um consultório, sem nem pensar em voltar a morar no Brasil.

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