CONGELAMENTO DA TABELA DO IMPOSTO DE RENDA JÁ RETIRA MAIS DE R$ 53 BILHÕES POR ANO DA CLASSE MÉDIA

A POLÍTICA ECONÔMICA LIBERAL EMPOBRECE, ANO A ANO, OS TRABALHADORES

Estudo do Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal aponta que, desde o primeiro congelamento, no governo FHC, entre 1996 e 2001, a tabela do imposto de renda das pessoas físicas já acumula 133,76% de defasagem em relação à inflação. De lá para cá, apenas nos anos do governo do Partido dos Trabalhadores (2002-2015) houve correções anuais. Nos governos Temer e Bolsonaro, de 2016 a 2022, a tabela permaneceu inalterada, o que em 2022, estima-se, representará a retirada de mais de R$ 53 bilhões da renda dos trabalhadores de classe média.

ENTENDA!

Se a tabela do imposto de renda fosse atualizada pela inflação com base nos valores de janeiro de 1996, a faixa de isenção do imposto seria elevada a R$ 4.450,82, mais do que o dobro da isenção atual, de R$ 1.903,98. Isso significa que todos os trabalhadores com renda entre 2 e 4 salários mínimos deveriam estar isentos do imposto de renda. A tributação da renda deve observar a preservação do mínimo existencial, ou seja, a renda mínima necessária para manutenção digna das famílias. No Brasil, faltam estudos que se aprofundem no tema. O melhor parâmetro de que dispomos para aferir o mínimo existencial no Brasil é o salário mínimo necessário para manutenção de uma família de quatro pessoas, calculado pelo DIEESE (www.dieese.org.br), que em janeiro de 2022 equivalia a R$ 5.997,14. A política de congelamento da tabela do imposto de renda, portanto, faz avançar a tributação sobre o mínimo existencial, o que penaliza as famílias de mais baixa renda. Se tomarmos o cálculo do DIEESE como um parâmetro válido do poder de compra do trabalhador, a defasagem da tabela do imposto de renda entre 2016 e 2022 alcança 263%. 

TRIBUTAÇÃO MAIS REGRESSIVA, AFRONTA AO DIREITO POR OMISSÃO

A tributação da renda, que tem como um de seus princípios constitucionais a progressividade, quando submetida a um congelamento artificial funciona em sentido inverso: quanto menor a renda, maior a perda. O gráfico 1 compara os valores absolutos do IR devido em cada faixa de renda (tabela vigente x tabela corrigida pelo IPCA) e demonstra a diferença percentual entre o que se paga (tabela vigente) e o que deveria ser pago (tabela corrigida) em cada faixa. 

Gráfico 1: elaboração própria a partir de dados da RFB/IBGE/BCB

A defasagem da tabela do imposto de renda afeta muito mais as classes médias (2 a 20 salários mínimos) do que a classe alta (acima de 20 salários mínimos). Enquanto o trabalhador que recebe 3 salários mínimos paga 100% a mais do que pagaria de imposto de renda se houvesse a correção da tabela, quem recebe 50 salários mínimos/mês paga apenas 7% a mais. Na prática, a desproporcionalidade é ainda mais dramática uma vez que a parcela da renda retirada do trabalhador mais pobre seria preponderantemente destinada a despesas essenciais, como educação, saúde, transporte e vestuário, enquanto o que se retira dos mais ricos, provavelmente, não afeta nenhuma de suas necessidades básicas.

A atualização monetária pelos índices inflacionários é um direito lembrado na Constituição de forma recorrente, para manutenção do poder de compra do salário mínimo (art. 7, inc. IV), para revisão da remuneração dos servidores (art. 37, inc. X) e para os benefícios de aposentadoria (art. 201, § 4º). Consoante a Constituição, o Código Tributário Nacional, quando trata do princípio da legalidade, estabelece no §2º do artigo 97 que “não constitui majoração de tributo […] a atualização do valor monetário […]”. Partindo-se do princípio de que onde houver as mesmas razões, por certo deve se aplicar o mesmo direito, não atualizar a tabela do Imposto de Renda significa, em última análise, majorar tributo sem a devida previsão legal, o que afronta um dos pilares do Estado democrático de Direito na medida em que configura uma política tributária confiscatória.

MENOS DINHEIRO NO BOLSO DA CLASSE MÉDIA SIGNIFICA MENOS CONSUMO, EMPREGO E CRESCIMENTO.

Ao tomarmos os números agregados da arrecadação (grandes números do imposto de renda – ano-calendário 2020) e atualizarmos, pelo IPCA, para 2022, estima-se que R$ 60,7 bilhões serão arrecadados a mais pelo Governo este ano em decorrência do congelamento da tabela do imposto de renda – já considerados isenções, benefícios e restituições. Destes R$ 60,7 bi, quase R$ 53,8 bilhões devem ser retirados dos rendimentos das classes médias. E menos dinheiro disponível para a classe média significa menos circulação de riquezas, menor consumo, menor geração de empregos formais e menor crescimento econômico.

Se durante a pandemia da Covid-19 houve sensibilidade da classe política para levar à população mais vulnerável o amparo do auxílio-emergencial, tal sensibilidade em relação ao empobrecimento da classe média passa ao largo. Entre 2018 e 2020 a rede particular de ensino perdeu um terço dos alunos. O número de usuários de planos de saúde em 2021 era inferior a 2014. O rendimento mensal médio real dos brasileiros em 2021 foi o menor em 8 anos. A classe média que já representou 51% da população em 2011, em 2021 representava apenas 47%.  

OPÇÃO PELOS RICOS

Enquanto a classe média empobrece, o governo federal deixará de arrecadar R$ 442 bilhões em 2022 por meio da renúncia fiscal. A chamada “bolsa empresário” custa mais de sete vezes a correção da tabela do imposto de renda. Apenas os benefícios tributários previstos para 2022 custarão mais de R$ 371 bilhões, dinheiro que quase nunca se reverte em empregos e expansão da produção, pelo contrário, apenas promove concentração de renda. 

De outro lado, temos a absurda situação de sermos um dos dois únicos países do mundo que não tributam lucros e dividendos. A partir da edição da Lei nº 9.249/1995, os rendimentos de lucros e dividendos passaram a ser considerados rendimentos isentos de IRPF. Além disso, essa mesma lei criou outra forma de distribuição de lucros aos acionistas, os juros sobre capital próprio, que são registrados como despesa da pessoa jurídica, o que reduz a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Mais grave, as empresas optantes pelo lucro presumido ou enquadradas no SIMPLES se utilizam recorrentemente da isenção na distribuição dos chamados lucros excedentes, a diferença entre o lucro contábil e o presumido, que não é tributada na pessoa jurídica e pode ser distribuído aos sócios com isenção total de tributação. Cálculo do Grupo de Estudos Tributários do SINDIRECEITA, com base nos números de dez/2019, apontam que a taxação de lucros e dividendos, lucros excedentes e juros sobre capital próprio pode incrementar a arrecadação em R$ 113 bilhões ao ano, valor que, atualizado para 2022, seria suficiente para compensar a correção integral da tabela do IRPF (levando-se em conta que 49% do IR é destinado a Estados e Municípios).

Governar é tomar decisões, optar por políticas públicas que definem o desenvolvimento econômico e social do país. Dentre estas políticas, a tributária é a forma mais direta e efetiva de redistribuição das riquezas do país: determina quem paga e o quanto paga, e quem recebe e o quanto recebe. Diante dos fatos e dos números da tributação sobre a renda, fica nítida a opção dos governos liberais: um país onde cada vez menos deterão mais riqueza e mais poder em detrimento da imensa maioria da população. Somos um país cada vez mais desigual, onde que a conta é sempre apresentada ao povo trabalhador, de diversas maneiras: pela tributação indireta e regressiva; pelas sucessivas reformas que lhes retiram direitos trabalhistas e previdenciários; pela precarização do Estado; pela escalada da inflação, pelo desemprego e pela informalidade. Resta saber até quando suportaremos, como sociedade, tamanha injustiça.

Geraldo Seixas

Presidente do Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil

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